Aos que me perguntam por que
não escrevo críticas teatrais eu sempre respondo a mesma ladainha: porque amo
demais o que faço e não pretendo parar, porque para ser um crítico é preciso
entender muito do riscado e, finalmente, porque tenho amigos que são grandes
artistas a quem dirijo minhas impressões na intimidade. Algumas vezes nem
tanto... mas eles já me conhecem e compreendem esta minha franqueza e
objetividade. Escrevo só, e sempre, quando gosto muito de algo e sou tocado de
alguma forma. E quero escrever sobre Raia 30 anos.
Pode parecer, num primeiro
momento, para um olhar menos avisado, um mero exercício de ego ou vaidade. E,
ainda que fosse, nesta profissão, quem atira a primeira pedra? De um jeito ou
de outro, todos nós buscamos o riso, a lágrima, o aplauso, a crítica, o
prêmio... transformar ou tocar o outro – como se fôssemos deuses capazes dessa
transformação na plateia.
E Claudia Raia em cena vai
além da vaidade. Ela conta um sonho de menina, brinca com os desejos de adolescente, expõe a mulher do seu tempo, que vai à luta. É a diva, a deusa, a louca, a santa, a irônica,
a extravagante, a kitsch, a moderna, a engraçada, a debochada, a abusada e a sincera.
E, faz um verdadeiro exercício de revisitação do nosso teatro de revista mais
popular. Muito mais graças ao entendimento profundo que Miguel Falabella tem desse
tipo de estrutura e linguagem, do que pelo conhecimento que o diretor, José Possi
Neto, parece ter. O espetáculo tem mais a cara (e parece ter a mão também) de
homens como Falabella, Silvio de Abreu ou Jorge Fernando (também citados em
cena) do que do próprio Possi.
E está tudo ali, as memórias e
as histórias. Num grande espetáculo de revista – que a atriz chama de show. Com
todos os elementos da revista: escadarias, colunas gregas e adornos art-déco, baldaquins,
ribaltas, penachos, paetês, bananas, viadagem e sacanagem (não necessariamente nessa
ordem). Tem número de plateia e de cortina, tem coristas e boys, e tem troca de
roupa... como toda vedete merece.
E que se dane o ego da
primeira atriz! Ela tem a capacidade de debochar de si mesma como poucas em
nosso teatro, falando em primeira pessoa. Talvez como teve Dercy Gonçalves, que
também mandava a opinião alheia à merda e sempre seguia em frente graças ao seu
público.
E Cláudia não tem nem medo nem
vergonha de se expor diante desse público. Não faz papai-e-mamãe. Manda ver! Franze
o nariz quando fala de TV, embora saiba que é seu maior veículo. Fala palavrão,
mas também diz palavrinhas doces sobre nossos antepassados artísticos. Fala de
preconceito e de bunda à mostra na TV – usada e explorada como foi o corpo de
Charity. Mas rindo disso!
E evoca uma trajetória que se
confunde com nosso musical contemporâneo. Num primeiro quadro, como num tableau
vivant – tão comum nas antigas revistas – surgem seus fantasmas: a mãe e a
irmã, seus personagens mais emblemáticos, um Walter Clark que se confunde com
Tonhão, figuras saídas de coreografias de Fosse e Lenny Dale (este, num dos momentos
mais tocantes do espetáculo). Talvez seja esta a grande contribuição de Possi: a poesia, a elegância e o glamour.
A direção musical é esperta e ampara
o elenco criando condições para que todos cantem com conforto e, em especial, a protagonista.
Somada às novas letras escritas por Miguel, o resultado sonoro é divertido,
alegre, e emociona quando necessário – apesar de alguns problemas de
equalização de instrumentos, bases e microfones (pelo menos quando vi). Vale
mencionar a criação de uma overture muito agradável para ser ouvida durante as
sempre maçantes projeções iniciais.
Ao lado de Claudia, um elenco
delicioso de jovens atores e bailarinos muito bem orquestrados por Tania
Nardini em coreografias de inspirações diversas, mas sobretudo em Bob Fosse. E,
claro, Marcos Tumura. Um dos artistas mais competentes do nosso musical, no que
diz respeito a cantar/dançar, mas sobretudo atuar suas canções, evocando um MC
camaleônico, mas com identidade sempre presente.
De resto, o que não é resto!
Os figurinos sempre muito cuidadosos e competentes de Fábio Namatame aliados à luz de Drika Mathes criam todos os ambientes
necessários e evocam as inúmeras referências que o roteiro e a direção impõem.
Defeitos? Tudo tem defeito.
Eu, você, até minha mãe tinha. Mas felizmente não estou fazendo uma crítica.
Estou falando de amigos. Publicamente rasgando seda.
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